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A VIVÊNCIA DE UMA ENFERMEIRA BRASILEIRA COM A PANDEMIA NA ITÁLIA

  • Enfa. Laurita
  • 19 de mar. de 2020
  • 4 min de leitura

Oi pessoal! Pra quem não me conhece meu nome é Laurita, sou uma enfermeira brasileira, gaúcha e moro na Itália. Moro em Varese na Lombardia, por enquanto a região mais drasticamente afetada do COVID-19. Um inimigo invisível, que está causando drásticas consequências de saúde pública em todo o mundo.

Gostaria de dividir com vocês, um pouquinho da minha experiência como enfermeira e cidadã desse país maravilhoso, que eu aprendi a amar, a Itália…

No dia 30 de janeiro, foi notificado o primeiro caso, de um casal de chineses em Roma. Foram considerados curados, no dia 29 de fevereiro depois de ficarem internados por mais de 4 semanas em estado crítico. Hoje 18 de março, receberam oficialmente alta do hospital, e irão fazer um percurso reabilitativo, em uma estrutura sanitária especializada.

No dia 18 de fevereiro, foi notificado o primeiro contágio por via secundária, se chamava Mattia era da cidade de Codogno. Era jovem, esportista e saudável. Todos nós aprendemos o seu nome, e torcemos para que se recuperasse. Mattia hoje está melhor, respira autonomamente e consegue falar. Só isso que sabemos…

A partir do dia 18 de fevereiro, foi sempre pior, um dia após o outro… Hoje são 18 de março, e me encontro aqui em isolamento, eu e minha filha em casa. Não podemos sair, a não ser para ir ao supermercado, farmácia ou ir trabalhar. As estradas estão blindadas de policiais. Fazem blitz de surpresa, e tudo vêm controlado e verificado.

Nos hospitais a situação é dramática, surreal. No começo, as informações que chegavam, eram vagas, confusas, contraditórias… As pessoas ficaram muito confusas, alguns médicos e virologistas diziam que era uma “simples gripe”, e que o perigo estava nas pessoas idosas ou imunodeprimidos, outros não eram assim convictos.

Mas nenhum deles conseguia explicar o caso do Mattia. Porque Mattia? Era jovem, esportista, saudável…

E outra perplexidade: por que não deveríamos nos preocupar com as pessoas idosas e imunodeprimidas? Que poderiam ser um colega, um vizinho, um avô, um irmão, um tio, um pai, uma mãe… enfim, enquanto isso, os casos aumentavam silenciosamente, mantendo em colapso um hospital atrás do outro.

Eu trabalho na sala operatória, no dia 24 de fevereiro foram suspensas todas as cirurgias programadas e nos transferimos para o bloco geral, onde vinham sendo realizadas apenas cirurgias de urgência e oncológicas. E o vírus corria na região dos 2 epicentros, considerados, até aquele momento “zona vermelha”. Nesta zona não era permitido sair ou entrar.

No dia 30, foi tudo suspenso, ainda não sabíamos ao certo o que viria, o que nos esperava. Começamos a criar leitos de Terapia Intensiva na nossa sala operatória, parecia absurdo. Pacientes daquele momento, transferidos em hospitais menores, outros recebendo alta… Vimos a transferência de andares inteiros. Foram criados dentro do PS e nos andares, percursos especiais para pacientes afetos de COVID-19.

Hoje é dia 19 de março, somos a total de casos 35.713, quase 3000 mortos, em torno de 4000 pessoas curadas e ainda não chegamos ao pico máximo. Sem previsão de quando chegaremos…

É horrível… as lágrimas escorrem no rosto, se chora sem querer… se chora pelas vítimas, se chora pelos colegas em trincheira, se chora pelos familiares que não são permitidos um último adeus às pessoas queridas, se chora pelo “medo” nos olhos das pessoas.

O que resta é compaixão, é respeito, é solidariedade, é dever de responsabilidade.

Os nervos a gente não controla mais. Quem fica fechado em casa começa a entrar em paranoia. Quem vai para o hospital LUTA. Uma luta que parece inútil, quase em vão. Profissionais ao extremo das próprias forças…

É verdade que somos profissionais “acostumados” em ver situações dramáticas, tristes… mas essa me deixou chocada.

Fora dos hospitais e terapias intensivas, infelizmente, a situação não é melhor. A impossibilidade de frear o contágio, o escasso conhecimento da doença, a falta de medicamentos e EPIs não adequados, fazem com que os profissionais sanitários lutem em uma batalha desesperada e, muitas vezes, inútil. É muito fàcil pensar em desistir… se render… mas daí acontece um milagre, alguém reage, uma esperança, talvez para dar forças à quem está ali com as últimas das suas forças ao extremo, fazendo turnos infinitos. Muitos não vão para casa, outros vão com o objetivo de receber ajuda e apoio dos familiares, mas muitos outros se sentem perdidos, ausentes…

Essa noite os caminhões do exército foram chamados para transferir as almas dos mortos da cidade de Bergamo. Onde os fornos crematórios, que funcionam 24 horas, não estão dando conta. Nas funerárias a situação é ainda pior, trabalham 24 horas tentando oferecer o mínimo de dignidade às centenas de corpos que chegam todos os dias. Trabalham com o mínimo de pessoal, porque entrando em contato com os corpos, entram consequentemente, em contato com o vírus. Tem quem morre no hospital, tem quem morre sozinho em casa… Uma solidão atroz e dilacerante.

Enfim, no meio de tantas notícias negativas, vemos também tanta solidariedade. Pessoas que ajudam idosos oferecendo-se para ir comprar bens de primeira necessidade, médicos e enfermeiros aposentados tornarem a trabalhar, voluntariamente. Vimos pessoas comuns e famosos doarem tanto, tanto dinheiro.

Sem falar dos chineses, povo tranquilo, trabalhador e com grande espírito de colaboração. Chegaram na Itália, semana passada, com toneladas de materiais, respiradores e equipamentos, juntamente com uma equipe de técnicos e profissionais que afrontaram o COVID-19 na China. Ontem chegaram ainda mais equipamentos, e tudo o necessário para construir um hospital de “campo” em uma das zonas mais atingidas, apenas com as forças chineses que vieram na ajuda à Itália.

Tudo isso gente, ainda não é suficiente porque:

A EMERGÊNCIA CORRE COM O CONTÁGIO

A única receita, para vencer e superar essa drástica situação é FICAR EM CASA, não tem outra solução. E portanto teremos que suportar… saudade dos abraços, dos momentos do quotidiano, a solidão forçada, festas à distância, o medo de sair de casa, dos amigos, da caixa do supermercado… enfim será com certeza um momento também de reflexão, da família unida, momentos difíceis de discussões também, porque não somos de ferro, MAS SOMOS FORTES...

Temos que acreditar… vai passar, mas também deixará tantas feridas profundas e cicatrizes irreparáveis mas,

PARA NÃO PERDER A GUERRA PRECISAMOS LUTAR COM UNHAS DENTES TENTANDO SUPERAR ESSE MOMENTO DRAMÁTICO COM FÉ EM DEUS, SENSO DE CIDADANIA, RESPONSABILIDADE, HUMILDADE E RESPEITO AO PRÓXIMO!!!!



 
 
 

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